Área de refúgio: porque precisamos fazer quando temos cultura Bt, como fazer da maneira adequada e quais manejos utilizar.
Quando plantamos uma cultivar geneticamente modificada para a resistência a insetos em nossa propriedade é necessário fazer o refúgio, que é uma área destinada para o cultivo de plantas da mesma espécie não transgênicas na mesma área.
A longo prazo, isso colabora para a não seleção de insetos resistentes, fazendo com que tenhamos a manutenção da biotecnologia.
No entanto, a área de refúgio muitas vezes não é compreendida e até mesmo considerada “área perdida”, o que não precisa ser verdadeiro. Veja neste artigo como fazer a área de refúgio de maneira adequada e mais dicas!
Por que é tão importante fazer área de refúgio?
Conforme afirma Paulo Afonso Viana (Embrapa Milho e Sorgo): “Um dos principais riscos associados à não adoção da área de refúgio é a rápida seleção de indivíduos ou raças das pragas-alvo resistentes às toxinas do Bt”
Para entendermos melhor isso, primeiro vamos compreender o que é uma planta Bt: uma planta que expressa proteína que confere resistência a alguns insetos praga.
O gene que tem a capacidade de produzir a proteína inseticida é identificado e extraído da bactéria Bacillus thuringiensis, daí a sigla Bt, e inserido ao DNA do milho por técnicas moleculares. Após a inserção do gene, o milho passa a expressar uma proteína inseticida. Essa proteína, portanto, irá conferir resistência as plantas contra os insetos-praga.
Atualmente existe 8 diferentes proteínas Bt introduzidas no DNA do milho, sendo 7 proteínas cry (cry1Ab, cry1A.105, cry1F, cry1Ab2, cry3Bb1, cry34Ab1, cry35Ab1) e uma proteína VIP (VIP3Aa20).
Essas proteínas são altamente específicas contra as pragas alvo e estão à disposição do produtor geralmente na forma de piramidação, ou seja, em cada material é encontrado duas ou mais proteínas. Raros são os materiais de milho comerciais que apresentam apenas uma proteína.
Devido à dificuldade de se obter novas proteínas inseticidas e a rapidez da evolução de resistência dos insetos, a adoção de diferentes técnicas agrícolas para manutenção desta tecnologia é de suma importância, especialmente em países tropicais, como o Brasil.
Isso porque temos mais de uma safra por ano, até três, e em um sistema de cultivo intenso e extenso.
Mas o que é a área de refúgio e como funciona?
Como já citado, área de refúgio é uma área plantada com sementes de milho convencional, a uma determinada distância em relação a área de plantio com milho Bt, visando proporcionar a geração de insetos susceptíveis.
Insetos resistentes ocorrem naturalmente em uma população e ocorrem geralmente em menor número em uma população natural.
Contudo, os plantios subsequentes proporcionado pelo nosso clima tropical, promovendo a formação de pontes verdes com oferta de alimento para as pragas durante quase todo o ano, podem possibilitar a formação de até 10 gerações de insetos/ano.
O principal objetivo da área de refúgio é manter esse nível de insetos resistentes baixo, diminuindo a pressão de seleção, proporcionando menos danos a cultura e prejuízo ao produtor.
Com a área de cultura 100% Bt teremos a eliminação da maioria dos indivíduos, mas será preservado um pequeno grupo naturalmente resistente. Com o tempo, os insetos mais resistentes serão os únicos sobreviventes e cruzarão entre si, gerando novas populações de indivíduos resistentes ao Bt.
A ideia do refúgio é proporcionar que os indivíduos resistentes (RR) cruzem com indivíduos susceptíveis (SS), gerando indivíduos heterozigotos susceptíveis (SR ou RS). Com isso, a prole destes insetos será susceptíveis a tecnologia, fazendo com que a praga seja controlada.
Quais as recomendações e como deve ser feito uma área de refúgio?
Existem alguns critérios que devem ser seguidos para a instalação e condução de uma área de refúgio para que ela proporcione um manejo adequado.
Distanciamento máximo de 800 metros em relação a área de plantio com tecnologia Bt
Essa distância não é um número aleatório. 800 metros é a distância máxima da capacidade de voo das mariposas. E são essas mariposas susceptíveis que se desenvolveram na área de refúgio que irão acasalar com mariposas resistentes, gerando os indivíduos heterozigotos susceptíveis a tecnologia.
Representar pelo menos 10% da área plantada. O aconselhável para milho é uma área de 20%
Essa é uma recomendação baseada em diversos estudos. Essa área de 20% para milho é capaz é proporcionar, se tratada de maneira adequada, uma quantidade de indivíduos susceptível capaz de evitar a quebra da resistência de insetos.
Para soja, algodão e cana é recomendado também que 20% da área cultivada total seja área de refúgio.
Área de refúgio não deve ser tratada como uma área perdida, não sendo uma área apenas para “criação de insetos”
Esse é um ponto ainda é muito discutido e gera um certo desconforto ao produtor. É aconselhável que seja feito o controle de pragas na área.
Parece confuso? Mas não é. O manejo de pragas não deve ser feito exclusivamente com controle químico, e muito menos com a utilização de produtos químicos de combate com alta eficiência.
A sugestão é a utilização de outras técnicas de controle que compõem o MIP (Manejo integrado de pragas), uma boa alternativa é o controle biológico, com utilização de produtos à base de vírus, fungos e bactérias, não sendo recomendado produtos biológicos a base de Bt.
Ou seja, deve ser feito o manejo de pragas da área, mas a um nível que essa área possa gerar indivíduos susceptíveis, não sendo um controle drástico.
Área de refúgio deve ser tratada como área comercial, ela deve gerar rentabilidade ao produtor.
Utilizar sementes de milho convencional de mesmo ciclo ou de ciclo semelhante as sementes de milho Bt, plantadas com uma diferença mínima entre as datas de plantio
Isso proporciona que as gerações de insetos gerados na área de refúgio e na área com tecnologia Bt seja coincidente. Isso facilita o manejo da fazenda e proporciona de maneira mais eficiente a diluição e diminuição dos insetos resistentes. “Esse sincronismo entre o desenvolvimento das plantas Bt com as não Bt permite o desenvolvimento de mariposas (adultos das lagartas) na área de milho Bt, simultaneamente com as emergidas na área de refúgio. Assim, ocorre o aumento de chances de acasalamento entre esses adultos, pois as mariposas não se dispersam por mais de 800 metros”, explica Paulo Afonso Viana (Embrapa Milho e Sorgo).
Modelo a ser seguido
Não existe um modelo padrão, design ideal para instalação de uma área de refúgio.
Diversos são os desenhos, formas, sugestões de posicionamento/alocação de uma área de refúgio. Porém o aconselhável é que o produtor ou responsável pela fazenda saiba corretamente onde estão localizadas a área ou áreas de refúgio na fazenda.
E seguindo os passos citados acima você construirá uma boa área de refúgio, sem se apegar ao design. No entanto, deixamos aqui alguns exemplos:
Manejo Integrado de Pragas (MIP)
Um ponto importante que temos que ter em mente, é que a área de refúgio por si só, não garante a eficiência e durabilidade das tecnologias Bt.
A área de refúgio é uma ferramenta na manutenção da resistência e longevidade das tecnologias, mas sempre é bom salientar que ela está inserida em um contexto maior que é o Manejo Integrado de Pragas (MIP).
O MIP envolve além da instalação e boa condução de uma área de refúgio, os controles culturais, biológicos, comportamentais, genéticos, varietal e químicos. Veja mais sobre o assunto neste artigo do nosso blog.
Conclusão
Á área de refúgio é uma excelente ferramenta para auxiliar a manutenção das tecnologias Bt, porém não é a única. O estabelecimento e condução de uma boa área de refúgio além retardar a quebra de resistência, pode proporcionar rentabilidade ao produtor.
Bibliografia
*Colaboração de Andre Henrique Campelo Mourao, engenheiro agrônomo e mestre em biotecnologia vegetal.
Adoção da área de refúgio e manejo de resistência de insetos em milho Bt; Daniela Chaves Resende, Simone Martins Mendes, José Magid Waquil, Jason de Oliveira Duarte, Fabíola Alves Santos; 2014
O produtor pergunta, a Embrapa responde Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária Embrapa Milho e Sorgo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento Embrapa; José Carlos Cruz, Paulo César Magalhães, Israel Alexandre Pereira Filho, José Aloísio Alves Moreira
Resistência de Insetos-Praga às Plantas Geneticamente Modificadas; Oderlei Bernardi, Karina Cordeiro Albernaz, Fernando Hercos Valicente, Celso Omoto
Risco Potencial das Pragas de Milho e de Sorgo no Brasil, Boletim 150; Ivan Cruz, Fernando Hercos Valicente, Paulo Afonso Viana, Simone Martins Mendes; 2013